segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A arte do monólogo - José Sanches Sinisterra
Revista Celcit 35.
Fichamento do texto, tradução e por fim, um sistema para pensar exercícios.



                           O procedimento de levar a convenção ao limite é, aliás, um fator  permanente renovação dramatúrgica. (p.165)

                         É importante dizer que o que se segue não pretende ser outra coisa que um mapa.   E o mapa não é território, por mais exaustivo que aspire a ser. A realidade - geográfica e dramatúrgica -  é sempre mais rica, complexa, multiforme e perversa. (p. 169)


Uma simples classificação, em primeira instância, no leva a 3 modalidades gerais:

I - O locutor se interpela a si mesmo.
II - O locutor interpela outro sujeito.
III - O locutor interpela o público.


I.1 -
 O Locutor se interpela a si mesmo em 1ª pessoa.

Quando sozinho em cena ou quando em aparte em relação a outros personagens, resulta hoje um pouco frágil. Talvez devido parecer uma necessidade muito mais autoral, mais informativa do que dramática. Percebemos como uma convenção antiquada.

O Locutor se interpela a si mesmo em 2ª pessoa.

Inicia-se um maior grau de dialogismo.

I.2 O locutor interpela outro personagem


Quando há um outro interlocutor, um outro personagem, essa condição dialógica já é esperada. No entanto, a organização desses discurso pode ser assimétrica, por exemplo: apenas um dos falantes faz uso do discurso, ou apenas um discurso é percebido, ou o silêncio, a inaudibilidade do outro interlocutor podem conter ou gerar uma considerável hierarquia relacional.

Neste caso, é intrínseco o caráter dialogal dessa modalidade monológica. Será preciso submeter o discurso ao princípio de retroalimentação que rege todo o intercâmbio conversacional. Isso quer dizer que o personagem 'B' não é uma simples função receptiva.

Sua existência é o motivo e o motor do discurso do locutor, personagem 'A', desde sempre, mas também é o enclave do objetivo que justifica sua presença e sua conduta.
Assim, o monólogo é uma verdadeira interpelação que tende a afetar o ouvinte para obter dele um resultado, para modificar algo nele, alterar a sua situação e impulsionar a ação dramática.

Uma existência dinâmica se que reflete e refrata no movimento do monólogo, renunciando a tentação do monolitismo e monocromatismo, tornando-se descontínuo, ziguezagueante, contraditório...

Podemos dizer que quanto mais nítida e complexa a figura do personagem 'B' e mais decisiva for sua modificação para o personagem 'A', menos riscos de se criar um monólogo 'antidramático'.

--->   Criar uma série de estratégias verbais e não verbais de uma máxima diversidade que um personagem se vê obrigado a empregar para obter seus objetivos, frente ao mutismo do seu oponente. 

3 variantes:

1- O locutor, A, interpela outro personagem, B, EM CENA.
--> O silêncio de B implica que ele não pode falar?  Ou ele não quer falar? Em ambos os casos, o fator que lhe priva a palavra é objetivo ou subjetivo, externo ou interno? O personagem 'A' conhece ou não essa circunstância? De que forma e grau o tal saber (ou não saber) governa a estrutura do seu persistente monologar?

2- A, interpela um personagem ausente da CENA, quer dizer, não perceptível, não visual, não audível pelo espectador.
--> B está extracena presente ou remota? No primeiro caso a palavra de A chega diretamente ao seu interlocutor que pode estar no seu campo visual (não do espectador). No segundo caso a distância física de B obriga A recorrer a procedimentos de comunicação imediata ou indireta, seja pela natureza técnica (telefone, por exemplo), ou sob um caráter mágico (poéticas não realistas.)
Em todos os casos o discurso monologal pode tomar forma de um diálogo. Só escreveremos as intervenções do personagem A, determinadas e dinamizadas pelas supostas réplicas de B.
Esse é o tendão de Aquiles dessa proposta: pode ocorrer o efeito cacatua. O discurso inaudível de B ameaça sobrecarregar o monólogo de A com uma cansativa reiteração explícita: "O que você disse? Que vai chegar tarde em casa porque a sua mãe quebrou a clavícula…"

3- O locutor A interpela um B presente/ausente.
O que acontece quando bloquamos a dita reciprocidade comunicacional de B e estabelecemos uma situação dramática onde B não recebe a palavra de A, fazendo com que o circuito de retroalimentacão discursiva entre em colapso.
O personagem B está presente em cena, mas ausente no âmbito ficcional, seja por estar em outro espaço ou ter uma existência virtual (não está vivo, está no passado, no futuro,é um "eu" imaginário, é uma figura mítica, é deus..)


I.3 O locutor interpela o público.

Se concretiza a natureza do destinatário interpelando-o como público real do teatro. Assim, todos os mecanismos de dialogismo podem entrar em funcionamento. O locutor converte o público em Personagem-testemunha da sua presença, do seu comportamento cênico.

1 - O Locutor interpela outro personagem, presente em cena, integrando nesta situação o espaço ocupado pelos espectadores, que constituem um personagem B coletivo.

2 - O Locutor pode articular o seu discurso com as supostas reações do público (como no caso do destinatário extra-cênico) atribuindo-lhe intenções, respostas e mudanças de atitude ou conduta que articulem uma complexa interação dramática.

3- O Locutor interpela o público como uma audiência ficcionalizada. O discurso atribui aos espectadores uma condição ficcional, identidade, definida, e ao espaço teatral igualmente, uma situação ficcional que os reúne. O público pode ser qualquer coletividade, que foi convocada a qualquer lugar para participar de qualquer acontecimento.
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EL MONÓLOGO
Modalidades discursivas


I. O Locutor se interpela a si próprio:

a. Em primeira pessoa (eu integrado);
b. Em segunda pessoa (eu dividido);

c. Em primeira, segunda e terceira pessoa (eu múltiplo).

II. O Locutor interpela outro personagem:
a. Presente na cena;
b. Ausente da cena;

       - Numa outra cena presente (interpelación imediata);
       - Numa outra cena distante (interpelación mediata);
c. Presente na cena, ausente para o locutor;
       - Em outro espaço real;
       - Em outra dimensão virtual;
d. Ausente da cena, presente para o locutor;
e. Tu múltiplo.

III. O Locutor interpela ao público:

a. Como audiencia indeterminada;
b. Como público real do teatro;
c. Como audiência ficcionalizada.